"O Brasil tem recebido muitos sul-americanos, como bolivianos, paraguaios, uruguaios e até argentinos, que chegam ao nosso país em busca de melhores condições de trabalho. Temos também uma grande presença de haitianos que começaram no Acre e em Manaus e hoje estão em São Paulo."
Há cem anos da morte do Bem‐aventurado João Batista Scalabrini, a migração tornou‐se
um fenômeno planetário, que envolve com partida, trânsito ou chegada todos os países do
mundo. Em nível global, 214 milhões de pessoas vivem fora do próprio país de origem. Entre elas,
estão incluídos 15,2milhões de refugiados e 983.000 requerentes de asilo.
Acrescenta‐se, a este movimento internacional, o número de 27,1 milhões de desplazados,
forçados a fugir de uma região a outra, dentro de seu país, e o incalculável número de migrantes
internos, que se deslocam, especialmente das zonas rurais, rumo à periferia das imensas
megalópoles.
A migração é feita de muitos números e estatísticas que crescem sempre mais, mas,
principalmente, é feita de rostos, histórias, esperanças e de muitos “porquês?”, que remetem aos
dramas atuais da humanidade.Na era da globalização, a economia visa cada vez mais a transpor as
fronteiras de cada país: as forças econômicas, livres de qualquer vínculo aplicado pelas políticas
dos estados nacionais, agem autonomamente. A atual ordem econômica global não deixa
vislumbrar um futuro de maior justiça, democracia e distribuição dos bens. Ao passo que se
difunde no mundo inteiro uma única cultura niveladora, que coloca ao centro o lucro e a lei do
mercado, afirmam‐se novas ideologias totalitárias, que se alimentam dos fundamentalismos
religiosos e do retorno fanático sobre as própriasraízes étnicas.
O atual e crescente estímulo a emigrar, portanto, tem como causa: o aumento da
desigualdade social e econômica entre oNorte e o Sul do mundo; a falta de perspectiva no âmbito
da formação e do trabalho para muitos jovens; as catástrofes naturais e ecológicas; o desequilíbrio
demográfico entre os diversos continentes; as guerras; a perseguição política, étnica e religiosa; o
terrorismo; a violação dos direitos humanos. Se fortes são os fatores de expulsão,também exercem a mesma força os fatores de atração despertando em muitos o sonho de partir: a difusão, através dos meios de comunicação, do modelo de sociedade do bem‐estar social ocidental; o chamado dos compatriotas que já
emigraram; o recrutamento das organizações do tráfico humano.
Simultaneamente, a competição internacional em vista da admissão de técnicos e profissionais de alto nível, dá origem às migrações qualificadas (fugas de cérebros), que empobrecem os países de origem de pessoal necessário para o progresso econômico e social. A humanidade parece dividida em duas categorias: as novas elites supranacionais dos viajantes, que podem alcançar todos os lugares sem prestar atenção a fronteiras e confins, e a grande parte das pessoas, que, ao deslocar‐se, fazem‐no apenas para sobreviver, arriscando a vida para ultrapassar fronteiras, ou ao invés, permanecendo ancoradas a um território, e até mesmo, dentro de espaços delimitados como os campos de refugiados. Com efeito, a liberdade de movimento que hoje vale para os bens financeiros, os produtos e os serviços, não é universalmente reconhecida para as pessoas.
Em toda parte do mundo, a insegurança gera nas populações locais o medo em relação aos
migrantes, e leva os governos a elaborarem leis sempre mais restritivas em relação a eles.
Como consequência, assiste‐se ao aumento dos clandestinos (de 2,5 a 4 milhões ao ano).
Atualmente, a imigração irregular é, neste sentido, um fenômeno estrutural em todas as regiões
do mundo. Disso, especialmente, tiram vantagem as organizações internacionais do tráfico
humano, enquanto quem paga as conseqüências da travessia ilegal das fronteiras são os
imigrantes e refugiados, às vezes, coma própria vida.
Ainda mais desumano é, assim chamado, o “tráfico de pessoas”, que alicia milhares de
mulheres e crianças a cada ano, obrigadas à prostituição ou ao trabalho servil, em condições de
verdadeira escravidão.
Também João Batista Scalabrini viu os dramas de seu tempo: uma época de grandes
transformações entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX. Milhares e milhares
de italianos, e outros europeus, deixavam, então, o seu país por causa da pobreza e iam ao
encontro das incertezas e dos sofrimentos da migração. João Batista Scalabrini poderia ter se
limitado à compaixão por tão grande dor, mas ao contrário, fez‐se a pergunta: “Como intervir?”
Assumiu a responsabilidade pelos migrantes que via, agindo em favor deles em muitos níveis.
Mas, não só agiu.Juntamente às ações concretas, ele amadureceu uma visão profética que deixou
como herança a toda a Igreja, e que alcança tambéma nós, hoje. Ele percebeu que, no sofrimento
da emigração, com todos os problemas e dificuldades que esta traz consigo, esconde‐se algo de
positivo, um germe de futuro. Esta visão não nasce somente de considerações históricas e
sociológicas. É, principalmente, graças à fé na morte e ressurreição de Cristo, que ele vê o plano
de Deus operando na história humana. É convicto que, exatamente através do sofrimento e
desenraizamento dos migrantes, através do encontro, e às vezes, do desencontro entre culturas e
mentalidades, está se preparando um mundo novo, no qual pessoas e povos se descobrem entre
eles pertencentes à única família da humanidade, dentro da qual não reina a uniformidade, mas é
possível viver a comunhão entre as diversidades, à imagem do Deus Trindade.
O mundo da mobilidade humana tornou‐se hoje, talvez, ainda mais complexo e atinge
todos: migrantes e autóctones. A emigração representa um componente importante da crescente
interdependência entre todas as nações. Também por causa dos movimentos migratórios, resulta
evidente que todos os homens “viajam sobre um único navio”, isto é, vivem em um único mundo.
O nosso destino está cada vez mais ligado ao destino de todos. As intuições de João Batista
Scalabrini permanecem, portanto, muito atuais, e motivam a Família Scalabriniana a empenhar‐se
pela convivência construtiva entre as diversidades no interior da sociedade, para uma autêntica
comunhão na Igreja e para a promoção da justiça e da paz no mundo.
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